Matéria escrita por Rodrigo Craveiro e publicada no caderno Saúde do Jornal O Correio Brasiliense de 26/03/2010
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Quando se fala em hipnose moderna, logo surge o nome de Milton H. Erickson, o terapeuta que revolucionou e humanizou a técnica. Pouco mais de um mês antes de desembarcar no Brasil, o terapeuta norte-americano Brent Geary, uma das maiores autoridades mundiais no ensino da hipnose ericksoniana, falou ao Correio sobre o método. De acordo com ele, a hipnose pode ajudar na cura da depressão e de vícios e maus hábitos. Também pode ser uma potencial arma contra a dor, modificando-a ou permitindo ao paciente se dissociar dela. Geary afirma, por e-mail, que a hipnose ericksoniana pressupõe a cooperação do paciente, sugestionado pelo terapeuta a relaxar até entrar em transe. O método também pode ser usado pelo especialista para auxiliar o doente em estado terminal na transição para a morte. “É um novo modo de realizar a hipnose, um mundo de possibilidades”, garante Brent Geary, formado em psicologia e doutor pela Arizona State University.
O que torna a hipnose ericksoniana uma ferramenta eficiente e por que o método é objeto de tanto interesse?
Tem havido um aumento de interesse pela hipnose durante os últimos 25 anos. O método originou-se há mais de 200 anos. Com mais conhecimento sobre as relações entre a mente e o corpo, porém, a hipnose tornou-se uma técnica de utilidade particular. Isso porque tanto mente como corpo são usados em toda sessão de hipnose. Milton Erickson introduziu um novo modo de realizar a hipnose, ao mergulhar o paciente em um “mundo de possibilidades”. O método antigo de hipnose afirma às pessoas o que fazer. É autoritário e forçoso, implicando na necessidade de o indivíduo experimentar certas coisas. Algumas vezes, funciona. Mas muitas pessoas preferem permitir que a experiência ocorra e escolher quais comportamentos são melhores para elas. A técnica ericksoniana geralmente usa histórias, anedotas (relatos reais) ou metáforas (fantasias, mitos, fábulas) para estimular a atividade inconsciente de modo indireto. É esse uso do não direcionamento que torna a hipnose ericksoniana e a psicoterapia únicas. As histórias têm sido usadas como tesouros de ensinamento em todas as culturas, desde que o homem começou a falar. Erickson incorporou o poder da história à hipnose. Médicos apreciam o método ericksoniano por ele fornecer mais opções e escolhas. Um terapeuta pode se comunicar diretamente com aqueles que se beneficiam da técnica. Ou pode escolher a comunicação indireta para influenciar e ajudar os pacientes. Na maior parte dos casos, usamos uma combinação. Quanto mais escolhas, maior o potencial de sucesso.
Como a hipnose ericksoniana pode ser usada em benefício da saúde?
A hipnose ericksoniana tem sido aplicada em uma vasta gama de desordens médicas e psicológicas. A aplicação primária da hipnose na medicina é contra a dor. A hipnose tem se demonstrado eficiente no controle da dor, ao modificá-la diretamente, permitindo aos pacientes se dissociarem dela. Também mostrou-se útil em condições psicossomáticas, desordens nas quais fatores emocionais podem agravar sintomas de uma condição física. Isso inclui dores de cabeça, asma, distúrbios gástricos (úlceras e refluxo), verrugas, doenças dermatológicas e hipertensão. A hipnose tem sido aplicada a quase todas as desordens psicológicas. Em algumas condições, como a esquizofrenia, ela deve ser usada com cautela. A hipnose também pode ajudar os pacientes a tomarem medicação de modo regular, se sentirem mais calmos, estarem mais ativos no dia a dia. Trata-se de um dos principais métodos no tratamento da ansiedade. Há muitas formas de ansiedade (pânico, fobias, preocupação excessiva). O relaxamento da hipnose oferece muitas vias de tratamento. Mas a técnica tem sido ainda usada para modificar hábitos (roer unhas, retirar tufos de cabelo etc.) e tratar a procrastinação, a desordem de estresse pós-traumático e a raiva.
Qual é a eficácia de se usá-la para tratar a depressão e os traumas?
A depressão é a principal desordem psicológica no mundo. Algumas vezes, ela permite às pessoas sentirem mais esperança, ao imaginarem um futuro mais benigno. A hipnose também pode ser usada para ajudar as pessoas a se sentirem mais motivadas ou ativas, a descobrirem e neutralizarem pensamentos que apoiam a depressão e a ajudá-las a revisarem eventos do passado para ajustarem-se a eles. Um dos fenômenos primários da hipnose é chamado de “regressão de idade”. Esse é um método no qual o paciente retorna em sua história pessoal e se recorda de um incidente, com as emoções e as sensações presentes naquele momento. Por essa razão, a hipnose é especialmente aplicável ao tratamento do trauma. Algumas vezes, a meta é permitir a uma pessoa lembrar-se de um evento com uma reação menos negativa. Outras vezes, os pacientes podem revisar algo do passado e ganhar outras perspectivas para entender o que aconteceu e o porquê. Em outros casos, o futuro (não o passado) deve ser explorado. Apesar do trauma, há anos adiante que podem ser vividos de um modo melhorado. A hipnose pode ajudar os pacientes a imaginarem como poderiam estar (no futuro) e, então, os passos para gerar um futuro melhor.
A hipnose ericksoniana pode ser empregada para reduzir o sofrimento de pacientes terminais?
A hipnose pode ser uma parte muito valiosa do tratamento de pacientes terminais. Como eu mencionei antes, a hipnose pode ajudar no gerenciamento da dor, mas também auxilia as pessoas a se sentirem mais absorvidas por crenças espirituais. O transe pode realçar a experiência que as pessoas têm com sentimentos, imagens e sons (como a oração) derivados de sua espiritualidade, ajudando-as na transição da vida para a morte. Também pode permitir às pessoas lembrarem, de modo vívido, de épocas importantes e significativas de seu passado, fornecendo uma apreciação melhorada de pessoas, lugares e coisas que foram parte de suas vidas.
Quais são os mais impressionantes casos de cura já registrados?
Há vários livros dedicados aos casos do doutor Erickson. Ele alcançou resultados surpreendentes e incomuns com pacientes que foram afetados pela dor, por desordens de desenvolvimento, depressão, baixa estima e outras. Erickson foi um dos primeiros a propor que a terapia poderia ser breve e focada nos sintomas que o paciente experimentava. Antes de ele demonstrar isso, a psicoanálise era a modalidade de tratamento predominante. É um lento processo de descobrir a dinâmica do inconsciente que estaria por trás dos sintomas. Erickson mostrou que a mudança pode ocorrer mesmo quando a causa subjacente não é identificada ou compreendida. Em minha própria prática, os casos mais bem-sucedidos dos quais me lembro envolvem principalmente a dor e a ansiedade. Quando somos capazes de ajudar as pessoas a viverem melhor, a terapia é gratificante. Os pacientes com ansiedade geralmente não entendem o que está ocorrendo a eles, e alguns se sentem miseráveis. Essa é uma desordem que responde muito bem à hipnose. É maravilhoso ver a transformação de uma pessoa nervosa, preocupada e fora de controle em um indivíduo que pode controlar a ansiedade e estar mais ativo e satisfeito com a vida.
De que modo o hipnoterapeuta conduz o processo e quanto tempo dura uma sessão?
Há muitas maneiras de uma hipnose ser realizada. A primeira fase do processo é chamada de “indução”. Essa não é uma palavra muito boa, por implicar que o hipnoterapeuta força o paciente ao transe — o que não é uma verdade. A hipnose requer cooperação. O paciente deve estar aberto a sugestões do hipnoterapeuta e motivado a utilizar o contexto hipnótico em benefício dele próprio. A hipnose é um estado de consciência concentrada. É muito como a meditação. O hipnoterapeuta ajuda o paciente a se focar em algo (por exemplo, um ponto no teto, uma memória, sensações de relaxamento no corpo).
Isso aumenta a atenção sobre o momento. Normalmente, as pessoas relaxam mais e mais, com o decorrer do tempo. Elas se tornam mais absorvidas e interessadas em suas “vidas internas”. Desse forma, há mais acesso a recursos do inconsciente, tais como intuição, memória, associações positivas e mudança fisiológica. A extensão da sessão de hipnose varia de acordo com a proposta. Geralmente, cerca de 20 minutos são exigidos. Mas algumas sessões — com crianças, por exemplo — são bem mais curtas. Às vezes, as sessões são mais longas, como quando preparamos os pacientes para procedimentos médicos ou odontológicos. Cada vez mais, os terapeutas estão gravando a hipnose e fornecendo o registro ao paciente. Dessa forma, os pacientes podem continuar a ouvir a hipnose, absorver o processo repetidamente e aprender mais sobre possibilidades e benefícios do método.
A hipnose ericksoniana é eficaz contra vícios, como o tabagismo e o uso de drogas?
Há diferentes opiniões sobre como a hipnose pode ser usada no tratamento de desordens de vício. Muitas pessoas que buscam a hipnose para a adicção querem que o hipnoterapeuta as coloque em transe e faça o vício ir embora. Isso é impossível. Há terapeutas que usam a hipnose para aumentar a motivação a parar com o vício, a imaginar a vida sem o vício, a reduzir a abstinência. Eu digo aos pacientes viciados que me ligam para buscarem tratamento especializado. Se quiserem usar a hipnose no futuro, eu os verei três meses depois de pararem com esse comportamento. A hipnose pode ser bem valiosa para ajudar a manter a abstinência, resistir à tentação e permanecer orientado a um estilo de vida “limpo”. A exceção é o tabagismo. Muitos pacientes podem ser ajudados pela hipnose a pararem de fumar. Mas não é a hipnose que fará com que a pessoa pare. O indivíduo precisa pretender essa ação. A hipnose o ajudará nessa intenção. Há recursos maravilhosos no Brasil para pessoas que queiram a experiência da hipnose para parar de fumar ou para outros propósitos. Em Brasília, Maurizio Neubern — do Instituto Milton H. Erickson — é um excelente médico. Em Anápolis (GO), Rodrigo Murrer — do Instituto Crescente — é bastante capacitado na hipnose ericksoniana e capaz de ajudar pessoas que gostariam de trazer esse método para suas vidas.
Qual é o impacto da hipnose sobre a autoconfiança de um paciente e como método de psicoterapia?
A hipnose existia antes da psicoterapia. Na Europa, durante o século 19, médicos que estudavam e usavam a hipnose decidiram “experimentar”. Eles usaram processos hipnóticos sem colocar os pacientes em transe. Eles chamaram esse novo método de “psicoterapia”. Então, a hipnose é realmente um método mais antigo de psicoterapia. Quando conduzida adequadamente, o indivíduo hipnotizado experimenta e entende que os resultados que ocorrem se devem a suas próprias capacidades. As sugestões do hipnoterapeuta ajudam. Mas os ganhos que acontecem são atribuídos aos recursos do próprio paciente. A hipnose apoia e realça mudanças, mas são os pacientes quem as criam. Dessa forma, os indivíduos podem se sentir melhores sobre si mesmos e acreditarem mais em si mesmos. Então, podem viver com mais confiança, acreditando que podem lidar com desafios e permanecerem orientados rumo à satisfação, às conquistas e ao contentamento.
O ANTIGO E O MODERNO
De acordo com Rodrigo Murrer, cirurgião-dentista com habilitação em hipnose e formação internacional em hipnose ericksoniana, o método é mais flexível e se molda às necessidades do paciente. “O método tradicional usa o transe formal. Na hipnose ericksoniana, há o transe conversacional: a hipnose pode ser feita durante uma conversa entre terapeuta e paciente”, explica. Murrer afirma que a hipnose clássica é direcionada: o terapeuta diz o que o paciente deve fazer. “São sugestões diretas, como ‘Agora você vai sentir um formigamento na mão’”, exemplifica. “A hipnose ericksoniana é mais indireta, respeita mais a experiência de cada pessoa”, acrescenta.
Fonte: CORREIO BRASILIENSE-DF - 26/3/2010
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